ENQUANTO OS CÃES LADRAM
“...Produz-se uma encenação baseada em fatos reais, na
qual personagens oprimidos e opressores entram em conflito, de forma clara e
objetiva, na defesa de seus desejos e interesses.”
Augusto Boal
Difícil saber quais são as pessoas
que leem o que eu escrevo. Pode-se até deduzir, já que o tema desta coluna é
Teatro. Portanto, teoricamente, todas as pessoas que fazem Teatro ou que amam o
Teatro leem esta coluna. Mas, na prática, não é bem isso. Tenho leitores que
nem imaginava que seriam meus leitores, até sabê-los. Nunca recebi um e-mail de
ninguém para comentar esse ou aquele assunto sobre o que eu escrevo. Quer
dizer, minto, recebi sim um e-mail de um produtor cultural surpreso com os
assuntos aqui abordados. Porém, muitos me param na rua e comentam comigo sobre
o que eu disse ou quis dizer.
Todavia, talvez pelo hábito da
não-leitura ou até mesmo pela incompreensão de algumas questões, tento mandar
recados para alguns profissionais ou pseudoprofissionais, mas, eles parecem não
entender que a carapuça cabe-lhes como uma luva. E, quando sou direto, sou
taxado de radical. O fato é que, às vezes - claro, também sou humano - dá
vontade de mandar muita gente nesta cidade comer feijão. Eu poderia até usar de
um monossílabo, mas, como não é de meu costume, prefiro mandar catar coco nos
Milionários ou comer feijão no Aderno. O que não seria uma má ideia, haja vista
que a zona rural de nossa cidade tem muita coisa interessante para se ver.
Então, me pergunto: até quando, a
cegueira artística vai permear por esta Capitania Hereditária? Quando é que os
titulados, premiados, fazedores da cultura –dita por eles – “verdadeira”, vai
continuar enxergando através do próprio orifício? O que fazer com o ego dos
esquecidos? Ou com a idiossincrasia dos marginalizados? Amigos e inimigos se
confundem. Você não sabe quem é quem nos quartelados de madeira lambri.
Há duas escolhas. Como sempre, a
maioria prefere sentar e assistir ao espetáculo sem esboçar nenhuma reação. A
outra, reservada apenas para os destemidos, é subir no palco e mudar o rumo da
história, como fazia Augusto Boal em seu Teatro Fórum. Neste tipo de Teatro, “a dramaturgia
simultânea era uma espécie de tradução feita por artistas sobre os problemas
vividos pelo povo, onde a barreira entre palco e plateia é destruída e o diálogo
implementado. Produz-se uma encenação baseada em fatos reais, na qual
personagens oprimidos e opressores entram em conflito, de forma clara e
objetiva, na defesa de seus desejos e interesses. No confronto, o oprimido
fracassa e o público é estimulado, pelo Curinga (o facilitador do Teatro do
Oprimido), a entrar em cena, substituir o protagonista (o oprimido) e buscar
alternativas para o problema encenado.”
Entretanto, quero somente chegar à
conclusão de que não adianta lutar para transformar. Calma! Não é uma afirmação
pessimista, é apenas uma constatação explícita, de um grupo amorfo. E isto me
deixa tranquilo. Afinal, como diz meu amigo Ruy Penalva, “conhecimento não se
herda.” Nem tampouco, o pessimismo é uma doença contagiosa. Sua influência se
extingue quando o otimista levanta e age.
Que os cães continuem latindo,
porque a caravana continuará passando.
Pawlo Cidade, diretor artístico e vice-presidente
do Conselho Diretor da Comunidade Tia Marita
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