terça-feira, 18 de junho de 2024

ARTIGO



Solar do Pimenta - Casarão Ramiro Castro



Entre Pedras e Narrativas: 
O Significado do Casarão Ramiro Castro na Identidade Ilheense

Por Sara Vanesca Carmo Aragão*

 

RESUMO: Este estudo aborda a temática do Patrimônio Cultural e Histórico, focando na relevância do casarão Ramiro Castro no contexto de Ilhéus. O objetivo central é analisar como a construção do casarão reflete o poder e prestígio emergentes da elite cacaueira. A metodologia empregada envolve análise de fontes bibliográficas e históricas. O artigo busca aprofundar a compreensão da dinâmica histórica, cultural e social associada ao casarão Ramiro Castro, ampliando a visão sobre o patrimônio ilheense como expressão da identidade comunitária. Este estudo contribui para a compreensão das relações entre o passado e o presente, explorando como a arquitetura se torna representação do poder político e social.

 

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio cultural; Casarão Ramiro Castro; Elite cacaueira; Identidade urbana.

 

INTRODUÇÃO


Imagine-se diante de uma majestosa construção, cujas linhas arquitetônicas neoclássicas ecoam a grandiosidade do Palácio do Catete no Rio de Janeiro. Agora, transporte-se para o município de Ilhéus, banhado pelas águas do litoral sul da Bahia, onde o Casarão Ramiro Castro ergue-se como um testemunho vivo do legado cultural dessa região. É como se cada tijolo contasse uma história, um capítulo da rica trajetória ilheense. Construído no apogeu da era do cacau, esse palacete neoclássico, idealizado pelo coronel Ramiro Ildefonso de Araujo Castro, transcende o papel de uma simples edificação. É um portal que nos transporta para o passado, para uma época de esplendor e transformações que moldaram a sociedade local. Suas paredes, agora cuidadosamente preservadas após reformas, não são apenas vestígios de uma estrutura física, mas também guardiãs das memórias e conquistas de nossos antepassados. Nesse cenário, nosso artigo se propõe a desvendar os segredos desse casarão, investigando sua relevância não somente como um patrimônio histórico, mas como um elo intrínseco com a identidade de Ilhéus. Convidamos a sociedade ilheense a abraçar esse legado com um olhar especial, a perceber que não é apenas um edifício que se mantém de pé, mas sim uma narrativa viva que ecoa fortemente do passado, inspirando as gerações presentes e futuras a valorizar sua história e preservar sua essência

Nesse sentido, o delineamento da estrutura de nossa pesquisa ocorrerá através de quatro seções distintas. Na inicial, intitulada "A Relevância e Preservação do Patrimônio Cultural", será abordada a essência do significado inerente ao conceito de patrimônio cultural. Nesse contexto, almejamos elucidar como tal conceito transcende as esferas individuais e familiares, abraçando uma dimensão comunitária mais ampla.

Na segunda seção, intitulada "Arquitetura e Transformação: O Casarão Ramiro Castro e a Elite Econômica Cacaueira", uma contextualização histórica será delineada, permitindo uma compreensão mais profunda das circunstâncias que envolveram a edificação do referido casarão. O objetivo aqui é fornecer um panorama histórico que situe o casarão dentro de seu contexto temporal e social.

Na terceira parte, "Forjando a Modernidade: O Casarão Ramiro Castro e a Narrativa da Elite Cacaueira", nossa intenção é estabelecer a interligação entre a construção do casarão Ramiro Castro e a narrativa ideológica propagada pela elite cacaueira. Destacamos como a construção desse edifício se encaixa no panorama mais amplo dos esforços de embelezamento urbano e civilidade promovidos pela elite econômica.

Por fim, na quarta seção, "Tradição, Territorialidade e Identidade: O Casarão Ramiro Castro como Testemunha Histórica", exploraremos o casarão Ramiro Castro como um patrimônio cultural de importância marcante. Além de contribuir para a compreensão da cultura local de Ilhéus, o casarão desempenha um papel crucial na reflexão sobre o presente e o futuro da cidade. Assim, através destas seções, almejamos oferecer uma análise abrangente e enriquecedora do papel do Casarão Ramiro Castro na história e identidade de Ilhéus.



SIGNIFICADO E SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO CULTURAL

Na contemporaneidade, assiste-se a um fenômeno de considerável magnitude: a amplificação das discussões acerca da conservação patrimonial e memorial. Um contingente sem precedentes de agentes atua em atividades relacionadas, impulsionando a concepção e adoção de múltiplos dispositivos voltados ao manejo das expressões culturais preexistentes. Segundo Leonardo Castriota, em "Patrimônio Cultural", essa conjuntura inscreve o patrimônio em um papel de destaque na reflexão ocidental ao inaugurarmos o século XXI. Essa metamorfose implica uma reconfiguração do escopo do patrimônio no panorama intelectual contemporâneo: 

Entramos no século XXI com o patrimônio ocupando um papel central na reflexão não só sobre a cultura, mas também nas abordagens que hoje se fazem do presente e do futuro das cidades, do planejamento urbano e do próprio meio-ambiente (CASTRIOTA, 2009, p.11)

 

Contudo, deseja-se apresentar uma indagação: qual é a verdadeira natureza de um monumento? Segundo a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, entende-se por monumentos: 

Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos de estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência (Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, 1972, Artigo 1).

 

A Convenção relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, adotada pela UNESCO em 1972, representa um tratado internacional com a finalidade primordial de identificar, preservar e salvaguardar locais de notável relevância cultural, histórica, arquitetônica, arqueológica, científica e natural em escala global, assegurando a sua transmissão às futuras gerações. A gênese dessa convenção pode ser situada no contexto do crescente reconhecimento da significância planetária do patrimônio cultural e natural. À medida que a sociedade avançava na era industrial e tecnológica, surgiram apreensões quanto à perda irrecuperável de sítios históricos e ambientais de valor, devido a processos de urbanização, degradação ambiental e outras influências. A tomada de consciência da imperatividade de salvaguardar esses locais ímpares deu origem à concepção da referida convenção[1].

Uma alternativa de conceituação do termo "patrimônio cultural" pode ser encontrada no âmbito do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)[2]. No documento intitulado "Educação Patrimonial: Manual de Aplicação", o patrimônio cultural é delineado como um conjunto de elementos culturais que ostentam uma marcante presença na trajetória de um determinado grupo. Esses componentes são transmitidos através de múltiplas gerações, estabelecendo uma ligação entre as pessoas e suas raízes ancestrais, englobando não apenas pais e avós, mas também os que viveram muito antes deles. Estes elementos culturais representam aquilo que a sociedade almeja conservar e legar às gerações próximas.

O patrimônio cultural não é relevante apenas para indivíduos ou famílias, mas sim para um grande número de pessoas. Ele atua como um fator de ligação entre indivíduos, sendo sempre de natureza coletiva. O patrimônio cultural engloba elementos como histórias compartilhadas, edifícios ou locais de importância consensual, festividades que atraem a participação de todos e outros elementos que geram identificação em um grupo. (IPHAN, 2013, p.5)

Quer dizer, o patrimônio cultural não é relevante apenas para indivíduos ou famílias, mas sim para um grande número de pessoas. Em essência, o patrimônio cultural transcende a relevância meramente individual ou familiar, estendendo-se a uma ampla comunidade. Emerge como uma força unificadora e de natureza coletiva. Este abarca narrativas partilhadas, estruturas arquitetônicas ou sítios de reconhecida importância, celebrações que convocam a participação abrangente, bem como outros elementos que nutrem um senso de pertencimento grupal.

O patrimônio cultural faz parte da vida das pessoas de uma maneira tão profunda, que algumas vezes elas não conseguem nem mesmo dizer o quanto ele é importante e por quê. Mas caso elas o perdessem, sentiriam sua falta. Como, por exemplo, a paisagem do lugar da infância; o jeito de preparar uma comida; uma dança; uma música; uma brincadeira. (IPHAN, 2013, p.5)

Quer dizer, o patrimônio cultural é tão profundamente incutido na vivência das pessoas que, por vezes, sua importância e razão subjacente podem não ser plenamente articuladas. No entanto, na eventualidade de uma privação desses elementos, a ausência se faria sentir. Isso se evidencia, por exemplo, na paisagem do ambiente de criação, métodos culinários característicos, expressões de dança, composições musicais e tradições lúdicas enraizadas na cultura local. Tais aspectos são tão entrelaçados ao cotidiano que sua perda acarretaria um vazio compartilhado. Em síntese, conforme esclarecido no manual, o patrimônio cultural apresenta três atributos fundamentais: ele ocupa um lugar proeminente na vida de um coletivo; exerce relevância para um amplo contingente; e reside de forma natural na experiência das pessoas, ainda que essa consciência possa não ser imediatamente reconhecida.



Reforma do casarão na década de 70


ARQUITETURA E TRANSFORMAÇÃO: 

O CASARÃO RAMIRO CASTRO E A ELITE ECONÔMICA CACAUEIRA

 

Nesta parte do texto, nossa análise tem por objetivo compreender a demanda e a fundamentação subjacente à edificação do casarão Ramiro Castro, situando-a no contexto da emergente elite da época. Os indivíduos denominados "recém-ricos" lideraram um movimento não somente de caráter ideológico, mas também econômico, visando estabelecer um novo espaço sociocultural e conjunto de valores no seio da sociedade cacaueira contemporânea. Essa iniciativa foi delineada de modo a angariar apoio orgânico da população ilheense para o avanço econômico e político da elite dominante na região. Como parte desse processo, foram erguidos novos edifícios majestosos, monumentos e outros ícones que simbolizassem o progresso instaurado pelas plantações de cacau e o consequente florescimento econômico. Gradualmente, essa nova classe burguesa expandiu sua influência e visibilidade no tecido social, culminando na construção do casarão Ramiro Castro. Em síntese, nossa proposição neste capítulo reside em sustentar a seguinte tese: a edificação do casarão Ramiro Castro deve ser interpretada como uma manifestação do poder e prestígio social e político da emergente burguesia originada da indústria cacaueira. O casarão, em sua essência, configura-se como um símbolo tangível do estatuto socioeconômico dessa classe ascendente.

No caso do século XIX, a localidade de Ilhéus experienciou um notável incremento na produção de cacau, projetando a região sul da Bahia ao posto de núcleo econômico preeminente no âmbito estadual. Vale ressaltar que o município de São Jorge dos Ilhéus, localizado no litoral meridional baiano, tem suas origens historicamente entrelaçadas com a introdução das capitanias hereditárias, ou donatárias, no século XVI (RIBEIRO, 2005, p. 24). Este ponto assume relevância na medida em que revela que a cultura cacaueira emergiu somente a partir do século XVIII[3]. Nesse contexto, o pesquisador André Ribeiro sustenta que

desde os primeiros engenhos do período colonial ao início do século XIX, a agricultura ilheense esteve baseada no cultivo de cana-de-açúcar e mandioca, cuja produção destinava-se ao consumo interno e à exportação para Salvador. [...] Ao final do século XVIII foram introduzidas novas culturas, entre as quais cacau e café, responsáveis por uma lenta mas gradual mudança econômica e social (RIBEIRO, 2005, p.24-25).

 

Consequentemente, nos limites entre o século XIX e o começo do século XX, emergiu um fenômeno inédito em Ilhéus: um acelerado florescimento na produção cacaueira, catapultando o sul da Bahia ao posto de protagonista na economia estadual. Durante as primeiras décadas do século XX, o cacau assumiu o proeminente papel de principal produto de exportação da Bahia, resultando na ascensão de diversos fazendeiros de origem modesta a proprietários de extensas plantações de cacau e influentes empreendimentos comerciais. Esse fenômeno, conforme apontado por Ribeiro (2005, p. 50), impulsionou a ascensão dos "novos ricos" na hierarquia social baiana. Nesse contexto, entre o final do século XIX e o início do século XX, desenrolou-se uma contenda política intensa entre as famílias aristocráticas e a emergente elite de "novos ricos", que buscavam consolidar sua legitimidade social.

Nesse contexto, a elite social estava dividida entre os fazendeiros de tradição estabelecida e os "recém-ricos", organizados em agrupamentos políticos com laços familiares. Os recém-ricos enfrentavam a necessidade de adquirir reconhecimento e aceitação na sociedade local, de acordo com sua nova posição financeira. Progressivamente, a emergente classe burguesa encontrou maneiras de manifestar seu poder nos âmbitos social e político. Um exemplo notório reside na iniciativa da elite cacaueira de disseminar, publicar e difundir suas perspectivas e ideias sobre o avanço das atividades produtivas em Ilhéus. Contudo, esse exemplo esbarrava numa limitação inerente à época: o alto índice de analfabetismo na sociedade ilheense. Diante deste contexto, os diversos segmentos da elite procuravam influenciar os sentimentos coletivos para forjar um novo conjunto de valores abarcando aspectos sociais, urbanos e políticos. Esta estratégia não se limitava a discursos escritos e textos divulgados, os quais eram de difícil acesso para uma população com baixa taxa de alfabetização. Ao invés disso, recorria-se a formas de comunicação mais universais, como imagens e símbolos. Justamente nesse ambiente histórico e situação, emerge a construção do casarão Ramiro Castro. A nova burguesia gradativamente encontrou meios para expressar seu poder social e político, muitos deixaram de residir nas fazendas, erguendo palacetes urbanos que, ao lado de mausoléus pessoais, desempenharam o papel predominante de símbolos urbanos para ostentar seu prestígio socioeconômico.

A manipulação do imaginário social foi particularmente importante em um período de profundas mudanças sociais, como as ocorridas na sociedade ilheense nas primeiras décadas do século XX, contexto da ascensão da lavoura cacaueira à condição de principal produto de exportação da Bahia. Esse fenômeno foi levado a efeito principalmente pelo grupo dos novos ricos do cacau, em sua tentativa de manipular os sentimentos coletivos com o objetivo de criar um novo conjunto de valores sociais, urbanísticos e políticos e, em decorrência disso, uma nova sociedade liderada pelos homens feitos por si. (RIBEIRO, 2005, p.181-182)

 

A partir do término do século XIX, Ilhéus, dotada de uma economia favorecida, gradualmente configurou-se como um centro urbano renovado. O antigo cenário caracterizado por construções "robustas e pouco atraentes" cedeu lugar à aspiração por uma imagem moderna, industrializada e civilizada. Nesse espaço, a cidade de São Jorge dos Ilhéus passou a personificar as transformações sociais correlacionadas à expansão da produção de cacau, moldando-se sob a égide do mito do progresso. A empreitada de reformas urbanas implicou na eliminação de vestígios do passado julgados incompatíveis com o paradigma de avanço, enfatizando a edificação da "Capital do Cacau" e "Princesa do Sul". A elite local, desejosa de imprimir sua marca, canalizou investimentos na concepção de monumentos, edifícios e mausoléus que operaram como discursos visuais, refletindo não somente concepções políticas, mas também perspectivas estéticas que percebiam a arte como uma idealização da realidade.

O surgimento desse ideário civilizatório se faz sentir mais visivelmente a partir da adoção de grandes programas de saneamento. Tratava-se de trazer uma nova racionalidade para os centros urbanos, implementando projetos de cunho progressista que pretendiam eliminar a doença, distanciar a pobreza e criar uma nova imagem de cidade. Projeto esse encampado pelas novas elites econômicas que identificavam-se com a cidade progressista e laboriosa e ali buscavam construir a sua própria memória. (RIBEIRO, 2005, p.182)

O surgimento deste conjunto de ideias voltadas à civilização também se origina das interações comerciais estabelecidas por Ilhéus com outros centros urbanos, tidos como exemplos de civilidade. O progresso econômico significativo, sobretudo na região sul da Bahia, com ênfase no eixo Ilhéus-Itabuna, superou a preeminência do Recôncavo açucareiro. Nessa conjuntura, a região sul da Bahia deixou de depender do abastecimento proveniente de Salvador, optando por conexões diretas com Vitória, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A expansão dessas relações comerciais para além das fronteiras baianas exerceram influência direta sobre as novas perspectivas urbanas delineadas para Ilhéus. Sob essa ótica, é relevante mencionar:

A partir do final do século XIX, o urbanismo ensaiou os seus primeiros passos na região sul baiana, buscando o enquadramento das cidades na lógica higienista, a renovação urbana a partir dos seus princípios de melhoramento e embelezamento e, principalmente, a criação de uma imagem de civilidade (RIBEIRO, 2005, p.89).

Nesse contexto, a obra de André Ribeiro, intitulada "Memória e Identidade: Reformas Urbanas e Arquitetura Cemiterial na Região Cacaueira", apresenta-se como uma contribuição valiosa para nossa pesquisa. Este livro, de cunho histórico e político, se destaca pela sua abordagem abrangente. Ao invés de se restringir a figuras proeminentes, a obra de André Ribeiro investiga as interações entre diversos estratos das elites econômicas, abrangendo múltiplas esferas e rituais da região da época. O autor empreendeu esforços para compreender as dinâmicas entre esses grupos e as complexidades das relações políticas, ultrapassando as análises convencionais centradas nas personalidades de destaque na sociedade

São focalizados os núcleos familiares e políticos que congregavam, de um lado, os novos ricos do cacau, que lá se estabeleceram em finais do século XIX e início do XX e, de outro, a elite tradicional, composta por fazendeiros residentes de longa data no local. (RIBEIRO, 2005, p.12)

Nesse contexto, o referido livro emerge como particularmente significativo para o presente artigo, pois através de sua análise histórica, é possível identificar tanto as ações de transformação urbana promovidas pelas elites econômicas do setor cacaueiro, como também as representações urbanas que se converteram em emblemas de progresso graças ao avanço da produção de cacau.

Nesse sentido, nosso foco de pesquisa se direciona para o casarão Ramiro Castro, que emerge como objeto de análise. Como já mencionado, o movimento liderado pela emergente elite cacaueira almejava estabelecer novos espaços e valores na sociedade, buscando obter adesão espontânea que legitimasse sua posição econômica e política dominante na região. Daí decorre a demanda, convergente com a justificação para a construção do casarão. Em linhas gerais, essa época testemunhou a edificação de múltiplos palacetes e monumentos, assim como o planejamento de projetos de saneamento em consonância com o avanço das atividades produtivas na emergente "Princesinha do Sul" (embora nem sempre implementados eficazmente). No entanto, é crucial destacar que esse progresso econômico também estava acompanhado da segregação e marginalização de setores específicos da sociedade ilheense daquela época “[...] segregam-se as zonas pobres” (RIBEIRO, 2005, p.13). Tal segregação resultou, em parte, da tentativa dos recém-enriquecidos de consolidar a ideia de que o crescimento das plantações de cacau e seu florescimento eram unicamente frutos de seus próprios esforços, excluindo a contribuição dos antigos proprietários de terra, comerciantes e da mão-de-obra escrava (RIBEIRO, 2005, p.13). Hoje, contudo, temos o privilégio de desmistificar essa perspectiva ideológico-política. Diversos grupos sociais contribuíram para o desenvolvimento da economia cacaueira, incluindo plantadores de cana do Recôncavo, colonos europeus, nordestinos, escravos e libertos, indígenas pacificados e trabalhadores locais (RIBEIRO, 2005, p.36-37). Portanto, não se trata de um esforço isolado e exclusivo, como pretendiam propagar.


Reforma do casarão na década de 70


FORJANDO A MODERNIDADE: 

O CASARÃO RAMIRO CASTRO E A NARRATIVA DA ELITE CACAUEIRA


Neste segmento do artigo, empreendemos uma análise aprofundada para apreender a demanda subjacente e a justificação que motivaram a construção do casarão Ramiro Castro, inserindo-a de maneira precisa no contexto mais amplo da elite emergente da época. Os indivíduos conhecidos como "recém-ricos" empreenderam um movimento destinado não apenas a introduzir uma nova configuração espacial, mas também a estabelecer um conjunto distinto de valores dentro da sociedade cacaueira contemporânea. A meta desse movimento era angariar apoio genuíno da comunidade ilheense em prol da ascensão econômica e política da elite dominante na região. Como resultado, testemunhamos a edificação de palacetes e monumentos, juntamente com uma variedade de outros símbolos que personificassem o progresso recente da região, resultante das florescentes plantações de cacau. Para compreender de maneira holística o verdadeiro significado do casarão Ramiro Castro, é imperativo considerá-lo dentro das nuances econômicas e das dinâmicas internas de uma fase caracterizada por transformações substanciais no contexto sócio-econômico regional, manifestadas de forma mais proeminente em seus centros urbanos. Dentro dessas mudanças, emergiu uma nova imagem da burguesia baiana, composta por agricultores e comerciantes que prosperaram graças à acumulação de capital viabilizada pela produção do cacau. Gradativamente, essa nova classe burguesa ampliou sua presença e influência na sociedade, o que culminou no impulso à construção do casarão Ramiro Castro. Ao consolidar seu domínio na região sul da Bahia, essa elite possibilitou que suas aspirações e preferências se tornassem símbolos comuns dentro da sociedade em geral (RIBEIRO, 2005, p.23-24). Resumindo, nosso entendimento é que a construção do casarão Ramiro Castro assume o papel de expressar o poder e prestígio sociais e políticos inerentes à emergente burguesia oriunda da indústria cacaueira. O casarão, de forma concisa, se configura como uma representação tangível do status sócio-econômico detido por essa classe em ascensão. "Os palacetes, assim como os jazigos monumentais, foram erguidos como verdadeiro símbolo do culto à personalidade no espaço urbano, consagrado como lugar de expressão do poder social" (RIBEIRO, 2005, p.13). Este paradigma de expressão do poder na forma de edificações monumentais reflete tanto a influência da elite emergente quanto as aspirações compartilhadas que se estabeleceram como parte integrante da tapeçaria social da época.

Outra interpretação decorrente de nossa investigação abrange a conexão entre a demanda subjacente à construção do casarão Ramiro Castro e a implementação de princípios voltados ao aprimoramento e embelezamento urbano, notadamente focados na construção de uma imagem de civilidade. Em outras palavras, é necessário compreender o referido casarão como uma peça integrante de um conjunto maior, isto é, como um elemento intrínseco a uma narrativa específica que a emergente elite cacaueira buscava estabelecer e disseminar. A concepção de progresso e civilidade permeou Ilhéus por meio de uma trama de narrativas, as quais destacavam locais e aspectos urbanos que melhor refletissem as noções de avanço e modernidade. Nesse contexto narrativo emerge o casarão em questão (RIBEIRO, 2005, p.89).

Este desdobramento da pesquisa evidencia a estreita interligação entre as ambições da elite cacaueira em ascensão e a configuração do ambiente urbano, transcende a mera edificação física e adentra o âmbito da construção simbólica. Através da promoção de uma narrativa que valorizava a modernidade e o progresso, os novos ricos cacaueiros engendraram uma transformação holística na identidade visual de Ilhéus. O casarão Ramiro Castro se encaixa como um elemento expressivo dessa narrativa, contribuindo para a construção de uma paisagem urbana que refletia as aspirações e ideais dessa emergente elite. Como apontado por Ribeiro (2005, p.89), essa narrativa enraizada foi responsável por selecionar e realçar características urbanas que personificavam a visão de progresso e modernização que a elite almejava disseminar. Portanto, a interpretação do casarão Ramiro Castro transcende a esfera da simples arquitetura e torna-se um elo intrincado dentro do tecido social e histórico da época. Sua construção, inserida no contexto mais amplo da ascensão da indústria cacaueira, evidencia como as aspirações ideológicas e estéticas da elite cacaueira encontraram expressão concreta nas edificações urbanas. Ao estudar o casarão Ramiro Castro, somos convidados a decifrar não apenas seu valor estético e arquitetônico, mas também seu significado como um componente fundamental da narrativa visual da transformação que ocorria na cidade de Ilhéus durante aquele período.

A partir das riquezas temporárias provenientes da produção de cacau, o status dos "coronéis" era frequentemente avaliado – assim como a situação precária dos trabalhadores – com base nas residências que possuíam. A maioria desses líderes locais ainda não havia deixado para trás as sedes de suas fazendas em favor dos palacetes urbanos, os quais representavam um símbolo de prestígio mais elevado na região.

As antigas ruas estreitas e tortuosas ganharam alinhamento e alargaram-se para abrigar os sobrados ajanelados dos fazendeiros abastados, advogados e membros da elite local, bem como as casas comerciais de todos os tipos[4]. (RIBEIRO, 2005, p.96)

 

Com o intuito de alinhar Ilhéus ao contexto de crescimento econômico e demográfico, a elite local buscou aproximar a cidade dos modelos urbanos adotados por centros tidos como civilizados. Desejavam conferir à cidade, de características tradicionais, uma imagem condizente com o progresso almejado. Nesse contexto, o casarão Ramiro Castro assume um papel alegórico, inserindo-se não apenas em uma transformação urbana, mas também em uma narrativa que reconfigura princípios, cuja essência simboliza a modernidade. Durante essa época, o casarão Ramiro Castro se torna em si a personificação da modernidade. É, portanto, o valor simbólico deste casarão que se delineava.

 

TRADIÇÃO, TERRITORIALIDADE E IDENTIDADE: 

O CASARÃO RAMIRO CASTRO COMO TESTEMUNHA HISTÓRICA


O casarão Ramiro Castro, enquanto um importante patrimônio cultural, desempenha um papel de extrema relevância não somente na compreensão da cultura local de Ilhéus, mas também na reflexão sobre o presente e futuro dessa cidade, bem como no contexto do planejamento urbano e na sociedade baiana em geral. A urgência de preservar e revitalizar a história do casarão Ramiro Castro se torna evidente diante do fenômeno da globalização. Embora a globalização tenda a padronizar valores, comportamentos e estilos de vida, ela também representa uma ameaça às diferenças regionais e tradições, devido à homogeneização que muitas vezes acompanha esse processo. Isso levanta questionamentos sobre o valor simbólico e cultural das construções sociais ao longo do tempo e reforça a necessidade de preservar elementos arquitetônicos e históricos que encapsulam a identidade e história local.

Essa ampliação da abrangência do campo do patrimônio, que leva alguns a falarem até de uma "inflação patrimonial" pode ser explicada, em parte, paradoxalmente, pelo avanço da globalização, que nas últimas décadas parece conduzir a certa "padronização" do mundo, com a uniformização de valores, comportamentos e estilos de vida, e a consequente ameaça às diferenças regionais e a própria tradição. (CASTRIOTA, 2009, p.11).

Dentro desse contexto, a investigação e estudo do casarão Ramiro Castro nos conduzem a considerá-lo não meramente como um monumento histórico, mas, acima de tudo, como um emblemático bem cultural. Este símbolo transcende sua função como mera relíquia do passado, ganhando status de representante de uma mudança de paradigma em uma sociedade em plena transformação econômico-política. Como um bem cultural intrinsecamente ligado à cidade de Ilhéus, o casarão é um reflexo das múltiplas identidades coletivas que compõem a cultura local. Esse entendimento nos remete, mais uma vez, ao trabalho de Leonardo Castriota, em que o autor concebe o patrimônio em constante diálogo com seu passado, presente e futuro.

A nossa tese central na primeira sessão do livro vai ser, então, que a ideia do patrimônio só pode aparecer na modernidade, a partir da relação muito peculiar que esta estabelece com as três dimensões temporais: apenas no momento em que os passados exemplares são abandonados e a lógica da cultura passa a ser a da substituição sistemática de todas as referências é que se coloca a necessidade de se pensar também sistematicamente a preservação da tradição, forjando-se as políticas institucionais de patrimônio. (CASTRIOTA, 2009, p.14)

Segundo o autor, o conceito de tradição implica em uma memória que permanece do passado, mas que, através das interações sociais no presente, está constantemente sujeita a transformações. Esse processo acaba por "criar" novas tradições, as quais são validadas por meio de novas narrativas e estruturas sociais, resultando em uma espécie de "reinvenção das tradições".

A ligação que a tradição estabelece entre o passado e o presente é mais complexa do que poderia parecer à primeira vista: se as tradita são permanências do passado, elas existem no presente, onde desempenham normalmente a função de emprestar sua chancela de autoridade a atos do presente. Para cumprir tal função, a tradição será, como aponta Raymond Williams, sempre seletiva, "uma versão intencionalmente seletiva de um passado modelador e de um presente pré-moldado, que se torna poderosamente operativa no processo de definição e identificação social e cultural. (CASTRIOTA, 2009, p. 21-22)

Conforme delineado pelo Dicionário de Sociologia (2010, p.458), o conceito de tradição abrange os elementos legados do passado ao presente, englobando objetos, monumentos, crenças, práticas e instituições. A valoração atribuída por gerações atuais a essa transmissão do passado define a própria tradição. A influência normativa da tradição desempenha um papel crucial na asseguração da continuidade da sociedade ao longo do tempo. Em muitos casos, a expressão "tradição" é empregada para contrastar com a legitimidade de base legal e racional que prevalece nas sociedades modernas, tal como delineado pela teoria de M. Weber. Contudo, na realidade, todas as sociedades abrigam elementos tanto tradicionais quanto racionais. Em sociedades modernas, especialmente, elementos de tradição e inovação coexistem, com o acervo de conhecimentos do passado desempenhando uma função fundamental em diversas áreas, incluindo a ciência e a indústria. Ainda que as tradições sejam recontextualizadas e ajustadas a cada geração, elas não refletem uma simples repetição, mas sim um contínuo diálogo com as transformações do contexto.

Na era moderna, os símbolos e monumentos do passado recebem novas conotações, uma vez que se estabelece uma conexão reflexiva entre passado, presente e futuro. Os monumentos, que demandam exame crítico (passado), reconhecimento (presente) e preservação (futuro), desempenham um papel intrínseco no patrimônio cultural, representando uma memória que se faz necessária de ser mantida.

Vai ser, então, apenas no âmbito da modernidade, com a peculiar relação que esta estabelece com o tempo, que vai poder aparecer uma ideia como a de "patrimônio cultural" que se pressupõe uma relação reflexiva com o passado e com a tradição. (CASTRIOTA, 2009, p.61)

 

No entanto, é fundamental reconhecer a complexidade subjacente à preservação do patrimônio, especialmente quando se considera a interpretação que a cultura de uma determinada região pode oferecer sobre um patrimônio específico, como é o caso de edifícios históricos, incluindo palacetes e outras construções arquitetônicas. Essa complexidade surge da compreensão de que a narrativa associada a esses patrimônios pode ser seletiva, destacando certos aspectos da história enquanto negligencia outros. Por exemplo, o casarão Ramiro Castro pode ser celebrado como um símbolo representativo do auge das plantações de cacau em Ilhéus, porém, é importante observar que pouco é discutido sobre o uso da mão-de-obra escrava que desempenhou um papel fundamental na construção de edifícios como esse.

Nesse contexto, é igualmente relevante estabelecer uma conexão com uma pesquisa conduzida por Francimário Santos. No seu trabalho intitulado "Inventário nacional de referências culturais - INRC: Uma breve análise do processo de avaliação da política de preservação do Iphan através das iniciativas de inventário com recorte territorial", o autor examina a interrelação entre o patrimônio cultural imaterial e conceitos fundamentais, como espaço, território, cultura e territorialidade. Ele sublinha a evolução da compreensão do território, que transcendeu uma perspectiva meramente biológica para englobar dimensões mais amplas, humanas e sociais.

[...] a ideia inicial de território esteve circunscrita à biologia, cuja preocupação era a posição dominante de elementos vegetais e animais e sua relação com certas áreas físicas. A partir da década de 1970 do século passado, o conceito é ampliado permitindo que outras áreas do conhecimento, sobretudo as ciências humanas e sociais produzissem reflexões teóricas sobre o tema. Nesse sentido, a geografia, tende a enfatizar a materialidade do território; a sociologia, enfoca a partir de sua intervenção nas relações sociais, e a antropologia, destaca sua dimensão simbólica (SANTOS, 2013, p.4)

A concepção de territorialidade, conforme explanado por Francimário Santos, está associada às expressões individuais ou coletivas que se estabelecem em relação a um espaço geográfico intrinsecamente simbólico. Nesse contexto, a territorialidade abarca as interações entre um indivíduo ou grupo social e o ambiente ao qual se referem. Essas interações transpassam diversas escalas geográficas e se manifestam como um sentimento de pertencimento e uma maneira de agir dentro de um determinado espaço geográfico (SANTOS, 2013, p.5)[5].

A interligação essencial entre cultura, território e espaço é destacada de maneira significativa, principalmente em cenários urbanos de natureza complexa, nos quais se verificam interações culturais e transformações nas concepções de local e território.

[chama-se a] atenção não apenas para a velocidade da circulação de mercadorias que há nas cidades, mas também pela circulação de ideias, mentalidades e valores. Tudo isso junto, altera, radicalmente a noção de lugar, consequentemente, de território. (SANTOS, 2013, p.6)

Nessa perspectiva, o casarão Ramiro Castro transcende sua relevância individual para abarcar um significado intrínseco à própria cidade, enraizado em sua natureza simbólica de caráter coletivo. Este edifício se ergue como símbolo de uma metamorfose paradigmática que moldou os modos de ser e pensar de toda a comunidade ilheense. A preservação do casarão Ramiro Castro se configura como uma tarefa que envolve a salvaguarda de uma transmissão específica de maneiras de pensar e acreditar. O que singulariza e demarca a singularidade do casarão Ramiro Castro não repousa somente em sua estrutura física, mas sim no valor do simbolismo que ele incorpora e difunde. Portanto, a preservação do casarão Ramiro Castro deve ultrapassar a mera conservação do edifício em si e englobar a manutenção da crença em sua significância. O casarão Ramiro Castro evoca a predominância de ideias historicamente legadas. Nesse sentido, o estudo e preservação do casarão Ramiro Castro transcendem a dimensão arquitetônica, engajando-se em um diálogo com o espectro simbólico e cultural, no qual se insere como uma entidade viva que perpetua as correntes de pensamento e identidade que moldaram a trajetória de Ilhéus e sua população ao longo do tempo.

 

O casarão Ramiro Castro, atual Colégio Impacto


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para compreender plenamente a importância do casarão Ramiro Castro para o patrimônio ilheense, é crucial explorar a demanda e a motivação subjacentes à sua construção, inserindo-as no contexto da emergente elite da época. No final do século XIX, à medida que Ilhéus prosperava economicamente, a cidade se transformou em um centro urbano revitalizado. Uma vez caracterizado por construções rústicas e pouco atrativas, esse cenário deu lugar a uma busca por uma imagem moderna, industrializada e civilizada. A classe emergente, conhecida como "recém-ricos", liderou um movimento que visava estabelecer não apenas uma nova ordem ideológica, mas também uma mudança econômica. Essa iniciativa buscou conquistar o apoio da população ilheense para a ascensão econômica e política da elite dominante na região. Como parte dessa transformação, surgiram edifícios imponentes, monumentos e ícones que representavam o progresso resultante do cultivo de cacau e do crescimento econômico subsequente. A construção do casarão Ramiro Castro é um testemunho dessa dinâmica social. Expressando poder e prestígio sociais e políticos, o casarão é um símbolo tangível do estatuto socioeconômico da emergente burguesia cacaueira. Nesse período, a elite buscava influenciar as percepções coletivas, forjando novos valores sociais, urbanos e políticos. Essa estratégia envolveu o uso de formas de comunicação visual, como imagens e símbolos, para transmitir conceitos amplamente compreensíveis. É nesse contexto que o casarão Ramiro Castro emerge como um dos elementos desse discurso visual.

É imperativo situar o casarão Ramiro Castro como um componente inseparável de um panorama mais amplo, no qual ele se insere como um elemento essencial dentro de uma narrativa estrategicamente construída e promovida pela emergente elite cacaueira. A ideia de progresso e civilidade impregnou Ilhéus através de um intricado tecido de narrativas, que direcionavam a atenção para locais e características urbanas que melhor encarnavam os conceitos de avanço e modernização. Nesse cenário narrativo, o casarão Ramiro Castro emerge como uma peça fundamental. Através dessa análise, ganhamos uma perspectiva mais profunda sobre a maneira como o patrimônio arquitetônico é entrelaçado com o enredo histórico, social e cultural de uma comunidade. O casarão Ramiro Castro, como um elemento da paisagem urbana de Ilhéus, permanece como um testemunho visual e simbólico da transformação que a cidade experimentou durante o auge da indústria cacaueira, reforçando a necessidade de sua preservação como um legado coletivo enraizado nas narrativas que moldaram sua trajetória.

Este estudo demonstra como a elite cacaueira em ascensão influenciou o ambiente urbano e visual de Ilhéus. A construção do casarão Ramiro Castro não é apenas uma manifestação física, mas também simbólica do poder dessa classe em crescimento. Através dessa edificação e outras como ela, a elite articulou uma narrativa de modernidade e progresso, transformando a identidade visual da cidade. Ao examinar o casarão Ramiro Castro, desvendamos não apenas sua estética e arquitetura, mas também sua função como parte integrante da narrativa visual que moldou a transformação de Ilhéus nesse período. Portanto, o casarão Ramiro Castro transcende seu valor individual para abarcar um significado coletivo mais amplo. Este edifício se destaca como símbolo de uma transformação que influenciou a comunidade ilheense em todos os aspectos. Preservar o casarão não se limita à conservação de sua estrutura física, mas implica na manutenção de seu valor simbólico. O casarão representa a predominância de ideias historicamente transmitidas, e seu estudo e preservação vão além do domínio arquitetônico, engajando-se em um diálogo contínuo com o aspecto simbólico e cultural que moldou a trajetória de Ilhéus ao longo do tempo.


Dedico este artigo a minha família pelo apoio sempre prestado, a família do Colégio Impacto, em especial ao professor Manoel Renato(em memória), figura ilustre dentro da educação ilheense e responsável direto pela manutenção do Palacete Ramiro Castro, além dos meus alunos, para que conheçam e se apropriem da história deste monumento significativo dentro da história de nossa cidade.

 

 * Socióloga, especialista em Gestão Cultural pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.     CASTRIOTA, Leonardo Barci. Patrimônio Cultural: conceitos, políticas, instrumentos. São Paulo: Annablume, 2009.

2.     Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. 1972. Artigo 1 - Definições do patrimônio cultural e natural. Disponível em: [https://whc.unesco.org/archive/convention-pt.pdf]. Acesso em: 7 de agosto de 2023.

3.     DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA. Santa Catarina: UFSC, 2010. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/praxis/482/5023019-DICIONARIO-DE-SOCIOLOGIA.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 10/08/2023.

4.    Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Educação Patrimonial: Manual de aplicação. Brasília, DF: Iphan/DAF/Cogedip/Ceduc, 2013.

5.     RIBEIRO, André Luiz Rosa. Memória e identidade: reformas urbanas e arquitetura cemiterial na Região Cacaueira. Ilhéus, Ba: Editus, 2005.

6.     SANTOS, Francimário Vito dos. Inventário nacional de referências culturais - INRC: Breve discussão sobre o processo de avaliação da política de salvaguarda do Iphan, a partir das ações de inventários de recorte territorial. In: IV SEMINÁRIO INTERNACIONAL - POLÍTICAS CULTURAIS, 2013, Rio de Janeiro. Anais, p.1-16.

7.     Uma tradição para uma sugestão. Diário da Tarde. Ilhéus, 23 set. 1970. 



[1] A Convenção do Patrimônio Mundial foi uma resposta internacional a essas preocupações. Ela criou um mecanismo para a identificação e a conservação de locais de valor excepcional em todo o mundo, com base em critérios específicos. Esses locais são chamados de "Patrimônio Mundial" e podem incluir monumentos, edifícios, sítios arqueológicos, áreas naturais e paisagens culturais. A convenção visa promover a cooperação internacional na preservação do patrimônio, incentivando os países a trabalharem juntos para proteger esses tesouros compartilhados da humanidade.

[2] O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desempenha o papel de desenvolver políticas nacionais relacionadas ao patrimônio cultural. Além disso, estados e municípios possuem suas próprias instituições e leis para determinar quais elementos culturais são considerados patrimônio para suas regiões. Até mesmo uma entidade, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), é encarregada de reconhecer o que é considerado patrimônio mundial. (IPHAN, 2013)

[3] O crescimento do consumo de chocolate na Europa e nos EUA, assim como o desenvolvimento da sua industrialização nesses locais, estimulou as autoridades portuguesas a propagarem, entre os fazendeiros do sul da Bahia, o cultivo do cacau ao final do século XVIII. (RIBEIRO, 2005, p.26).

[4] Neste sentido, André Ribeiro diz que “Os exemplares máximos desse novo estilo arquitetônico em Ilhéus foram construídos entre as décadas de 1910 e 1920: a sede da fazenda Pimenta uma réplica do Palácio do Catete, propriedade da família Berbert de Castro, o prédio da Associação Comercial, símbolos evidentes do poderio social e econômico dos coronéis do cacau” (RIBEIRO, 2005, p.99-100)

[5] O autor também aborda a ideia de "não lugares" e sua relação com as dinâmicas modernas e globalizadas: [os] “não lugares”, que correspondem aos lugares de passagem, diametralmente opostos ao lar, à residência, ao espaço personalizado. Estão representados pelos espaços públicos de rápida circulação, como aeroportos, rodoviárias, estações de metrô, pelos meios de transporte, pelas grandes cadeias de hotéis e supermercados. A mesma lógica que contribui para que os saberes e práticas arraigadas nas sociabilidades humanas sejam solapadas pelas dinâmicas modernas e globalizadas. (SANTOS, 2013, p.6)

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