domingo, 30 de março de 2025

"AS EXPEDIÇÕES DE NATURALISTAS EUROPEUS NO SÉCULO XIX, NÃO ERAM EMPREENDIMENTOS ROMÂNTICOS", LEIAM O ARTIGO DE GERSON MARQUES*



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Mata Atlântica do Sul da Bahia, 
e seu impacto econômico na Europa

Por Gerson Marques


Quando o naturalista bávaro Carl Friedrich Philipp von Martius, pisou na Bahia em 1817, sua missão não era apenas botânica: trazia consigo ordens da coroa alemã para identificar plantas "de valor comercial". Enquanto catalogava orquídeas e bromélias, Martius anotava em seu diário a localização de pau-brasil (Paubrasilia echinata) pau-marfim (Balfourodendron riedelianum), árvores cuja madeira valia fortunas na Europa. 

Sua expedição, financiada por comerciantes de madeira de Augsburg, ilustra um dos segredos sujos da ciência do século XIX: sob o véu do conhecimento, escondiam-se interesses econômicos e um projeto colonial que moldaria a economia global que deixaria cicatrizes profundas no Brasil. 

As expedições de naturalistas europeus no século XIX, não eram empreendimentos românticos. Eram parte de uma estratégia de imperialismo científico, no qual potências como Inglaterra, França e Alemanha buscavam: Mapear recursos naturais para exploração comercial. Coletar espécimes para museus e jardins botânicos, que serviam como símbolos de poder colonial. Substituir saberes locais por taxonomias europeias, facilitando o controle sobre territórios, como é o caso da Missão Austro-Bávara (1817-1820), patrocinada pelo rei Maximiliano I da Baviera, a expedição de Martius e Spix, que incluía instruções explícitas para "identificar madeiras de construção naval" e "plantas medicinais de potencial lucrativo". Seus relatórios foram usados por empresas alemãs para explorar o óleo de copaíba na Bahia, usado na indústria de vernizes. Georg Langsdorff (1821-1829): Cônsul russo e naturalista, Langsdorff mapeou rotas fluviais no Nordeste para o czar Alexandre I, visando abrir mercados para o comércio de peles e madeira, enquanto o Brasil perdia biodiversidade, a Europa colhia os frutos: 

Um bom exemplo disso ocorreu com a fibra de caroá (Neoglaziovia variegata), coletada por Saint-Hilaire na Bahia, foi usada na fabricação de cordas e tecidos na Inglaterra, reduzindo a dependência do algodão norte-americano. Ou a vitória-régia (Victoria amazonica), levada para estufas inglesas, viraram símbolos do exotismo colonial, atraindo milhões a exposições como a Grande Exposição de 1851. Museus como o Kew Gardens (Reino Unido) e o Jardim des Plantes (França) exibiam "troféus" da Mata Atlântica, reforçando a narrativa de superioridade europeia. 

Entre 1820 e 1880, a exportação de madeira da Bahia para a Europa aumentou 300%, impulsionada por relatórios de naturalistas. A quina (Cinchona officinalis), planta antimalárica estudada por Spix, foi cultivada pelos britânicos na Índia, quebrando o monopólio sul-americano e lucrando com a cura da malária, enquanto a Europa prosperava, o Sul da Bahia pagava o preço, apesar de exóticas na Mata Atlântica, foi daqui que saíra as primeiras sementes de cacau e piaçava, descritas por Martius, levadas para colônias africanas, minando o potencial econômico brasileiro. O óleo de copaíba, antes extraído por indígenas em sistema sustentável, passou a ser explorado em larga escala por empresas estrangeiras, esgotando as reservas em 40 anos. Sobre os povos originários os impactos foram ainda mais devastadores, Os Botocudo, estudados por Wied-Neuwied como "curiosidades etnográficas", foram dizimados por doenças e políticas de extermínio, sua população caiu de 10 mil (1820) para 200 (1900). 

Os Tupinambá de Ilhéus dominavam técnicas de agroflorestal com cacau e seringueira, descritas por Darwin que conheceu na periferia de Salvador, como "jardins selvagens". Com a chegada das tecnicas europeia, esses sistemas foram substituídos por monoculturas, com perdas na qualidade do solo. O urucum (Bixa orellana), usado por indígenas como moeda de troca, foi patentado por uma empresa francesa em 1856 como corante industrial, sem compensação aos povos originários. 

Apesar de alguns discursos conservacionistas, os naturalistas eram peças-chave na máquina colonial: 

Wied-Neuwied: Sua coleção de 2 mil animais empalhados foi vendida para museus europeus, financiando novas expedições. Em cartas, ele admitia: "Cada espécime vale mais que um escravo no mercado de curiosidades". 

João Barbosa Rodrigues: Apesar de brasileiro, seu trabalho no Jardim Botânico do Rio de Janeiro serviu para catalogar plantas úteis à coroa portuguesa, como a piaçava, cujas fibras abasteciam a Marinha Real. 

As expedições científicas do século XIX não foram neutras. Foram armas de um projeto que transformou biodiversidade em commodities e saberes ancestrais em notas de rodapé. Enquanto a Europa decorava salões com orquídeas baianas, o Brasil via sua mata ser reduzida a carvão para locomotivas inglesas. 

Hoje, o Sul da Bahia ainda colhe os frutos amargos: 92% da Mata Atlântica original foi destruída, e espécies como o Jupara “potos flavus”, só existem em cativeiro, outras estão extintas.

Dos 120 grupos indígenas citados por Martius, no Sul da Bahia, apenas 23 sobrevivem — muitos sem direito a suas terras ancestrais. 

Em 1859, ao receber uma medalha da Sociedade Geográfica de Londres, Martius declarou: "O Brasil é um Éden, mas um Éden a ser domado". Dois séculos depois, o preço desse "domínio" está claro: um Éden saqueado, e um país que ainda luta para reescrever sua história — não pela pena de naturalistas estrangeiros, mas pelas mãos daqueles que sempre souberam ler a floresta. 

A Mata Atlântica do Sul da Bahia merece e precisa receber o tratamento especial de destaque por seu valor científico, econômico e social e histórico, berço do teatro da colonização, mossa floresta tem sido o ecossistema mais agredido e degradado de nosso território por cinco séculos, inclusive em sua própria identidade, basta! Os povos atuais que moram no Sul da Bahia tem um débito e uma obrigação com estas matas, protegê-las e garantindo seu papel biológico, social e econômico de nossa região, aqui somo todos filhos desta exuberante, cobiçada e generosa floresta.


Gerson Marques, ativista ambiental, pesquisador, consultor de políticas públicas