EDITORIAIS


A CULTURA NA AGENDA DO G20

Pawlo Cidade*

No início deste mês de novembro, ministros da cultura do G20, grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das maiores economias do mundo e a União Europeia, se reuniram conjuntamente para discutir o tema “A ascensão da economia cultural: um novo paradigma”. Esta reunião ocorreu no último dia 4, na Arábia Saudita. “Foi a primeira vez que os debates políticos do G20 reconheceram a crescente contribuição da cultura para a economia global. Em uma mudança de paradigma acelerada pela pandemia COVID-19, o G20 reconheceu o potencial para a contribuição da cultura em todo o espectro de políticas públicas para forjar sociedades e economias mais sustentáveis”.

Este não é meu primeiro texto, nem será o último em que defendo aqui uma postura e um conceito mais abrangente no planejamento dos governos, sobretudo os Municipais e Estaduais, a inclusão da Cultura em seu rol de políticas públicas capazes de estruturar e mudar o modo de vida do cidadão. Mas esta inclusão deve se dar também com a participação da sociedade civil. Ainda bem que o G20, ao colocar a Cultura no centro das atenções como um “componente-chave da recuperação econômica e social”, reconhece em tempo a importância deste setor que foi, seguramente, o mais afetado por esta pandemia.

Ano passado, o Fórum de Ministros da Cultura, que a UNESCO convocou, também em novembro, apontou fragilidades na infraestrutura cultural e escassez de investimentos. O que não é nenhuma novidade. Lembro que o Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas e Presidente da Comissão Nacional de Cabo Verde para a UNESCO, Abraão Vicente, falou da necessidade do respeito pelos direitos de autor e pela transferência direta de recursos por parte do estado para o setor da Cultura e sobre o peso da Cultura no PIB, que podemos até discutir em outro texto.

Em tempo, o G20, consciente que vivemos num mundo cada vez mais interdependente, reconhece que é a Cultura um meio eficaz de diálogo internacional, tal como afirmaram no encontro a Arábia Saudita, a China e a Rússia, reafirmando ser a Cultura “um componente fundamental das relações”.

Vários países disseram que é preciso tornar o setor cultural mais ecológico. Ou seja, ver a Cultura não só de forma econômica, mais, sobretudo, sistêmica, como um componente dinâmico de qualquer ecossistema como defendeu o antropólogo Charles O. Frake, em 1962, e que em outro texto falarei sobre esta visão.

Por fim, o encontro ainda ressaltou questões ligadas a proteção da diversidade cultural, garantia de remuneração justa para as produções culturais, ampliar a digitalização de material cultural para garantir um acesso mais equitativo e, sobretudo, fortalecer as sinergias entre Cultura e Educação, “para que os alunos possam desenvolver novas habilidades, participar ativamente da vida cívica e se adaptar a um mercado de trabalho em rápida mudança”.

Por: Redação O Tabuleiro
Dia 20/11/2020 07h37


* Escritor, ativista cultural 













***********





(Foto: Sílvia Machado/Divulgação)

O FOMENTO A CULTURA INIBE A CRIATIVIDADE?

“A Lei Aldir Blanc, o Município e o Artista”

Pawlo Cidade*

 

 

Muitos foram os artigos expressando as opiniões sobre a implantação da Lei Aldir Blanc no país. Os muitos especialistas que se debruçaram sobre a lei fizeram o que foi possível para torná-la mais acessível a quem realmente precisa do recurso. Entretanto, no ente que fará os recursos chegarem a Mestre Jandir ou Dona Maria da Cocada Baiana não se encontrou ainda uma forma de tornar o processo menos burocrático. 

A Lei Aldir Blanc não pode ferir outras leis que já estão em vigor, sobretudo no tocante a responsabilidade no uso dos recursos públicos. Qualquer informação indevida do gestor ou inobservância de sua parte no processo de pagamento ele poderá ser responsabilizado nas esferas civil, administrativa e penal. O mesmo cabe ao beneficiário dos incisos II e III, do art. 2º da Lei Aldir Blanc. A não prestação de contas poderá colocá-lo em maus lençóis. Os beneficiários são obrigados ainda a promover como contrapartida, quando voltarmos ao novo normal, cursos, oficinas ou apresentações culturais e artísticas, prioritariamente, “aos alunos de escolas públicas ou em espaços públicos de sua comunidade, de forma gratuita, em intervalos regulares”, em cooperação e planejamento definido com a Secretaria Municipal da Cultura ou o ente responsável pela gestão cultural. 

Quando apresentar o relatório de gestão final ao governo federal, a Secretaria da Cultura deverá informar, de forma bem discriminada, o nome dos beneficiários contemplados, dizendo se cada um deles prestou contas e se estas contas foram ou não aprovadas e se não foram aprovadas quais foram as providências que a Secretaria da Cultura tomou para reaver o uso indevido dos recursos (art. 7º, § 3º, do Decreto nº 10.464/20). 

Acontece que muitos dos que não estão familiarizados com editais ou com prestação de contas não estão preocupados com contrapartida, mesmo apontando a atividade cultural que promoverão hipoteticamente no formulário de solicitação do subsídio, ou ainda dar conta do que gastarão com o que vão receber. Isso preocupa os gestores de cultura. A alternativa que se apresenta seria ampliar os recursos dos Editais em formato de prêmios, diminuir o repasse dos subsídios e ser ainda mais criterioso na escolha dos elegíveis. Essa questão vem ganhando volume nos debates e será uma tendência nos municípios brasileiros quando os gestores se derem conta que terão de dar conta dos subsídios que eles mesmo distribuíram.

Apesar de muitos propagarem que é a primeira vez que haverá a materialidade do repasse fundo a fundo, isso não é verdade. Os recursos não serão depositados nos Municípios que possuem conta de Fundo Municipal de Cultura. O governo vai abrir uma nova conta específica na agência do Banco do Brasil que o Município optar. Mas não depositará na conta existente do fundo. Segundo o governo federal, isto dará mais segurança e transparência ao uso dos recursos, uma vez que será possível rastrear a movimentação dos pagamentos ou qualquer movimentação suspeita como saques ou transferências sem explicação, de uma única vez, e de uma grande soma de recursos diferente da apresentada pelo ente municipal na programação da Plataforma Mais Brasil.  

Vale salientar que o Decreto de Regulamentação da Lei Aldir Blanc, sancionado este mês, não define sozinho os critérios para eleger os beneficiários. Cabe ao Município apontar novos critérios que vão definir se o coletivo A, a Banda C ou o Grupo D têm direito a receber o subsídio. Os critérios que estão sendo criados pelo Município são complementares à Lei. 

Infelizmente, os recursos não chegarão a todos. O que nos resta é acompanhar todo o processo e garantir que o Município seja transparente na utilização dos recursos, sem preocupação de agradar A ou B.  Por fim, o que me deixa feliz em todo este processo é constatar que o Brasil inteiro se mobilizou para tornar concreta esta lei. Mas não se engane: A regulamentação e a lei em si são uma faca de dois gumes. Ou a gente, e aí e me incluo também pois sou artista, aprende a lidar com o dinheiro público ou o governo federal vai tornar real um mito que persegue a cultura em nosso país: “o fomento à cultura inibe a criatividade e reduz a qualidade do produto ou do serviço cultural” ou ainda de que artista não sabe lidar com dinheiro.



* Escritor, ativista cultural 








**********




O GESTOR CULTURAL E A PANDEMIA

Como o Gestor Cultural Municipal deve atuar neste momento de pandemia a fim de minimizar os impactos sofridos pelos produtores culturais?
Pawlo Cidade*

Já é sabido que o campo cultural em toda e qualquer situação de crise é sempre o primeiro a sofrer os impactos de um contingenciamento. Tira-se recursos da Cultura para ampliar os recursos da educação e da saúde, ou de outra pasta qualquer, porque a Cultura pode e deve sofrer, ser martirizada, para que a economia se mantenha em seu patamar inabalável. 
Parece que há um desconhecimento total dos impactos e da geração de riquezas que a cultura consegue gerar em toda a sua cadeia produtiva. Não vou me deter em números, nem estatísticas que possam comprovam esta assertiva. Entretanto, para governos, em todas as suas dimensões: municipal, estadual e federal, parece haver uma unanimidade burra ao achar que os produtores culturais são os únicos que não precisam ganhar seu pão de cada dia, fazer a feira, pagar as contas, renovar assinaturas de jornais e revistas, pagar a TV a cabo, ir a eventos, pagar a escola dos filhos, comprar remédios, fidelizar plano de saúde, plano odontológico, enfim, tudo que um cidadão “trabalhador e comum” faz que é “diferente” do cidadão artista que pinta um quadro, dança, escreve um texto, canta uma música, compõe ou declama uma poesia e publica um livro. 
Como o Município pode contribuir em momentos de crise e contingenciamento como o qual estamos vivendo? Como o gestor cultural – que muitas vezes detém o título apenas para receber o seu salário – pode ajudar o produtor cultural? Para que serve a política pública de cultura numa situação como esta de corona vírus? Do mesmo modo que podem ser declaradas situações de calamidade pública no Município, pode-se também declarar calamidade pública na Cultura ou ela está à margem da calamidade do Município? Claro que não. A Cultura faz parte do rol dos direitos fundamentais do cidadão e do fazedor de arte. 
EDITAL EMERGENCIAL. O Município, através do seu órgão máximo da cultura pode criar imediatamente um edital emergencial, com base na Lei municipal nº 3.949/18 ou na Lei Orgânica da Cultura da Bahia, colocando assim a Cultura como um importante vetor de desenvolvimento humano, social e econômico e tratando-a como uma área estratégica para o desenvolvimento sustentável do Município. A responsabilidade de fomentar e planejar as políticas públicas de cultura é do poder público. É o poder público que deve estabelecer condições para o desenvolvimento da cadeia produtiva econômica da cultura. Claro que primeiro considerando o interesse público e o respeito à diversidade cultural. Mas qual governo sério e comprometido com a Cultura não quereria ajudar a classe artística?
BOLSA DE AUXÍLIO CULTURAL.Pode-se ainda criar Bolsas de auxílios culturais. Isso requer uma equipe técnica capacitada, um diagnóstico preciso ou que pelo menos alguns indicadores que possam comprovar a existência da atividade de cada um no Município. O Município sabe quantos pontos comerciais de bares e restaurantes existem na cidade que promovem música ao vivo? Sabe quais são os músicos que tocam na noite ou em festas de casamento e aniversário? Sabe quantos grupos e/ou artistas vivem diretamente do fazer cultural?
RECURSOS. E de onde podem vir estes recursos? Sobretudo da fonte zero-zero, ou seja, dos recursos próprios do Município, do Fundo Municipal de Cultura, da Assistência Social, da Secretaria de Saúde e da Secretaria de Educação. Pode sair também da Secretaria de Meio Ambiente, da Secretaria de Administração e do Ministério Público! Sim, do Ministério Público. Todo ano voltam recursos ou eles ficam acumulados nestes outros setores porque não existem projetos sérios para gastar o dinheiro. E muitos outros gestores destas pastas não sabem como utilizá-lo ou, simplesmente, preferem devolver porque usar não é tão simples assim. 
A PROGER – Procuradoria Jurídica do Município pode ser um importante aliado nesta luta. E o Conselho de Cultura mais ainda. Inclusive, este último, poderia até mesmo propor convênios, encontrar alternativas, construir chamadas públicas e estabelecer as condições mínimas para que os artistas possam receber os auxílios necessários neste momento se as secretarias não possuírem pessoal qualificado para tal. Resta saber se há qualificação necessária nestes órgãos colegiados para propor tal envergadura. O que não pode agora é cada um puxar a sardinha para o seu lado. 


* Escritor, ativista cultural e
diretor artístico da CTM.











**********



Imagem meramente ilustrativa
O TÉCNICO
Pawlo Cidade*
Eu não tenho nenhuma dúvida que o que acontece de errado numa gestão passa, primeiramente, pelo corpo diretor de um órgão. Se o comandante não entende bulhufas de seu navio, não serão seus tripulantes que o conduzirão até o porto. Pelo contrário, a tendência é o naufrágio, sobretudo se encontrar um iceberg no meio do caminho e os incautos, ingênuos, navegantes acharem que se trata apenas de uma pedrinha de gelo. Conan Doyle ao escrever Um Estudo em Vermelho,seu livro de estreia que apresentou ao mundo o detetive Sherlock Holmes, tem uma frase que diz: “A singularidade é sempre uma chave, os crimes mais comuns são os mais difíceis de descobrir”.  Parafraseando Conan Doyle eu diria que as coisas mais comuns, mais simples de se resolver, nas mãos de incautos tornam-se mais complexas, mais difíceis, mais confusas. É só analisar de perto o que acontece a nível municipal, estadual e federal.
Acontece que, na grande maioria das vezes, opta-se pela política em detrimento da técnica. E, aquilo que parecia ser resolvido de imediato, volta à estaca zero. Os técnicos não são imediatistas, são cautelosos, planejam, sabem quando e de onde virão os resultados. As conquistas são graduais, não aparecem assim da noite para o dia. Os eventos e as ações sempre são pensados a médio e longo prazo. Cabe ao gestor delegar poderes e facilitar condições. Nem todos os gestores estão preparados para entender como funciona esta dinâmica. Sobretudo na cultura onde ela, a dinâmica, é efervescente. As cobranças, o desenvolvimento, a troca de saberes e fazeres perpassa por uma lógica que difere da lógica comum dos demais projetos e planejamentos. Além do mais, artista não se tapeia, cobre-se o choro temporário. Esteja preparado para o berro.
Eu queria saber o que se passa na cabeça das pessoas que assumem um cargo público sem entender nada do que está assumindo. Mas, por outro lado, fico feliz quando alguns tentam compreender a matriz do negócio e se cercam de pessoas capacitadas para que o trabalho flua. Um presidente não precisa entender de energia nuclear ou de energias renováveis, ou ainda de dívida pública para assumir o cargo. Porém, ele precisa estar preparado para responder questões desta natureza. E só quem pode prepara-lo é um técnico, “aquele que é versado numa arte ou ciência; especialista, perito, experto”. É por isso que escolhe os técnicos para estar ao seu lado quando é abordado sobre este ou aquele assunto.
Quer que, pelo menos, 50% do seu governo deem certo? Privilegie os técnicos. E se você assumiu um cargo técnico, mas é um político, avizinhe-se de técnicos. Enquanto você dá o compasso político, de forma clara e transparente - porque isso é extremamente importante - os técnicos viabilizarão seus projetos.

* Escritor, ativista cultural e
diretor artístico da CTM.











Nenhum comentário: