quinta-feira, 15 de julho de 2010

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO PALCO


No Teatro tudo é permitido e, ao mesmo tempo, proibido. Todas as regras pre-estabelecidas de repente passam a não valer nada. O Teatro é paradoxal, contraditório e, acaba em alguns momentos se transformando numa arma. Muitos se arriscam em sua experiência, poucos compreendem a matriz dionisíaca que se apodera dos corpos frágeis e poéticos.
O Teatro é um processo. Só quem vive compreende as dificuldades e as alegrias. Plateia cheia, bilheteria gorda, nem sempre representa satisfação. Há uma grande diferença entre quantidade e qualidade. De cada cem pessoas, sete assimilam a mensagem. Sete são responsáveis por amar aquilo que fazemos. “Sete serão apenas aquelas que lerão o que escrevemos”, disse José Delmo.
Por falar em José Delmo, eu o vejo como o poeta da carne crua, da mão nua, do coração de papel. O mestre da arte cênica que apontou os caminhos e que descobriu seu próprio destino. O ator é um homem só. O escritor é um homem só. O diretor é um homem só.
A solidão procura no artista a descoberta. O artista encontra na solidão a transmigração de seus pensamentos.
No Teatro, a dor finge que sente. Assim como o poeta que mente. Mente porque é capaz de dizer a verdade. Diz a verdade porque é capaz de mentir. Somos todos mentirosos dizendo verdades.
No Teatro existe cura. A cura acontece quando você se encontra. E se encontrando, encontra o outro. Assim, percebe que a arte é feita de encontros. Entre pedaços de papel, cenas improvisadas, gestos inúteis, marcações despropositadas, surge o personagem. É necessário uma desconstrução para então, e somente então, construírmos. A construção é um processo de evolução. “A arte e os artistas devem evoluir, pois, caso contrário, só lhes restará regredir”. Como artistas devemos estar revendo nossas ideias até o último suspiro. Nietzsche assim não o fez ao afirmar em seu leito de morte que se existisse um Deus ele seria o mais miserável dos pecadores?
No Palco, um papel, “mais do que a ação na vida real, deve ser uma fusão das duas vidas – a da ação exterior e a da ação interior – num esforço mútuo que visa a alcançar um determinado objetivo”
Para que existe o Teatro? Para a plateia? Para o texto? Para a técnica? O Teatro existe para o ator, sem o qual não pode absolutamente existir. Afinal, o que é leve? O que é insustentável no processo de criação? Como diria Stanislavski: “Temam os seus admiradores! Aprendam, no devido tempo, a entender e a amar a verdade cruel a respeito de si próprios... Falem a respeito de sua arte somente com aqueles que podem lhes dizer a verdade”.
Quem já sentiu uma corrente fluir dos seus olhos ou da ponta de seus dedos em direção ao seu companheiro de cena? As pontas dos dedos são os olhos do nosso corpo. O diretor é um psicólogo e um artista e até certo ponto ele também precisa ser um ator. “Um ator vive, chora e ri em cena, e está o tempo todo atento as suas próprias lágrimas e sorrisos. É esta dupla função, este equilíbrio entre a vida e a atuação que constituem a sua arte”, disse Salvini.
O Teatro tem um palco. Um palco insustentável e leve. (Publicado na coluna Coxia, Caderno 2, Diário de Ilhéus, em 10/07/2010)