sexta-feira, 17 de agosto de 2012

EDITORIAL


ENQUANTO OS CÃES LADRAM


“...Produz-se uma encenação baseada em fatos reais, na qual personagens oprimidos e opressores entram em conflito, de forma clara e objetiva, na defesa de seus desejos e interesses.”
Augusto Boal


Difícil saber quais são as pessoas que leem o que eu escrevo. Pode-se até deduzir, já que o tema desta coluna é Teatro. Portanto, teoricamente, todas as pessoas que fazem Teatro ou que amam o Teatro leem esta coluna. Mas, na prática, não é bem isso. Tenho leitores que nem imaginava que seriam meus leitores, até sabê-los. Nunca recebi um e-mail de ninguém para comentar esse ou aquele assunto sobre o que eu escrevo. Quer dizer, minto, recebi sim um e-mail de um produtor cultural surpreso com os assuntos aqui abordados. Porém, muitos me param na rua e comentam comigo sobre o que eu disse ou quis dizer.
Todavia, talvez pelo hábito da não-leitura ou até mesmo pela incompreensão de algumas questões, tento mandar recados para alguns profissionais ou pseudoprofissionais, mas, eles parecem não entender que a carapuça cabe-lhes como uma luva. E, quando sou direto, sou taxado de radical. O fato é que, às vezes - claro, também sou humano - dá vontade de mandar muita gente nesta cidade comer feijão. Eu poderia até usar de um monossílabo, mas, como não é de meu costume, prefiro mandar catar coco nos Milionários ou comer feijão no Aderno. O que não seria uma má ideia, haja vista que a zona rural de nossa cidade tem muita coisa interessante para se ver.
Então, me pergunto: até quando, a cegueira artística vai permear por esta Capitania Hereditária? Quando é que os titulados, premiados, fazedores da cultura –dita por eles – “verdadeira”, vai continuar enxergando através do próprio orifício? O que fazer com o ego dos esquecidos? Ou com a idiossincrasia dos marginalizados? Amigos e inimigos se confundem. Você não sabe quem é quem nos quartelados de madeira lambri.


Há duas escolhas. Como sempre, a maioria prefere sentar e assistir ao espetáculo sem esboçar nenhuma reação. A outra, reservada apenas para os destemidos, é subir no palco e mudar o rumo da história, como fazia Augusto Boal em seu Teatro Fórum.  Neste tipo de Teatro, “a dramaturgia simultânea era uma espécie de tradução feita por artistas sobre os problemas vividos pelo povo, onde a barreira entre palco e plateia é destruída e o diálogo implementado. Produz-se uma encenação baseada em fatos reais, na qual personagens oprimidos e opressores entram em conflito, de forma clara e objetiva, na defesa de seus desejos e interesses. No confronto, o oprimido fracassa e o público é estimulado, pelo Curinga (o facilitador do Teatro do Oprimido), a entrar em cena, substituir o protagonista (o oprimido) e buscar alternativas para o problema encenado.”
Entretanto, quero somente chegar à conclusão de que não adianta lutar para transformar. Calma! Não é uma afirmação pessimista, é apenas uma constatação explícita, de um grupo amorfo. E isto me deixa tranquilo. Afinal, como diz meu amigo Ruy Penalva, “conhecimento não se herda.” Nem tampouco, o pessimismo é uma doença contagiosa. Sua influência se extingue quando o otimista levanta e age.
Que os cães continuem latindo, porque a caravana continuará passando.

Pawlo Cidade, diretor artístico e vice-presidente 
do Conselho Diretor da Comunidade Tia Marita

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