sábado, 21 de setembro de 2013

EDITORIAL

“Atitudes egoístas assim resultam em movimentos como os que estamos vivendo.
Todo mundo quer que as coisas se resolvam...”
P.C.

EU FAÇO A MINHA PARTE!
Pawlo Cidade*


Um dia, a floresta pegou fogo. Apavorados, os animais corriam de um lado a outro. Um beija-flor que sobrevoava o local ao ver o desespero dos bichos voou para o rio e trouxe em seu bico um pouco d´água e jogou sobre o incêndio. Fez isso inúmeras vezes, mas, o fogo crescia cada vez mais. Um leão, vendo a coragem do pequeno pássaro gritou para ele:
- Beija-flor você não vai conseguir sozinho apagar o fogo.
O beija-flor não gostou da atitude do leão, esperava que, ao invés de reclamar, ele pudesse ajudá-lo. Assim retrucou:
- Pelo menos estou fazendo a minha parte!
Muitos de vocês já devem ter ouvido esta história. E até concordaram com a atitude do beija-flor ou até mesmo do leão. Fazer a nossa parte pode até ser uma saída. Já pensou se cada comerciante da Jorge Amado, da Araújo Pinho ou de qualquer outra artéria da cidade limpasse a frente do seu estabelecimento? Se cada cidadão ilheense colocasse o lixo no horário da coleta ou descartasse pequenos objetos na lixeira? Todos estariam fazendo a sua parte. Sobretudo em momentos de crise como a que estamos vivendo, as ruas estariam limpas e os garis serviriam apenas para recolher o acumulado. Acredito até que muitos estão fazendo isso.
Entretanto, não é possível mais fazer apenas a nossa parte. Considero esta atitude paradoxalmente egoísta. Quando você faz apenas a sua parte você está querendo dizer que cada um “fique na sua e a amizade continue.” Que ninguém se meta na sua vida, no seu negócio, na sua família. Atitudes egoístas assim resultam em movimentos como os que estamos vivendo. Todo mundo quer que as coisas se resolvam, que cheguem a um denominador comum. Ninguém quer motim, confusão, sedição, greve, ônibus queimado, comércio parado, bancos sem funcionar, professores fora da sala de aula, funcionários aborrecidos, mato na calçada, buracos.
Este paradigma “fazer a nossa parte” está ultrapassado. Não adianta fazê-la e outro não fazer. Vale à pena apagar a luz e o outro acender? Vale à pena limpar e o outro sujar? Não. A não ser que o propósito seja este: deixar a porta aberta para o ladrão entrar. Ou ainda fechar a porta depois que o ladrão roubou.
Eu acredito que “além de fazer a nossa parte” nós precisamos convencer o outro a fazer a dele também. Então, não basta fazer, é preciso que o outro compreenda que se ele fizer, não precisaremos fazer o mesmo trabalho duas vezes ou solitariamente. Porém, nada disso tem resultado se exigirmos aquilo que nós mesmos não fazemos. Como ser exemplo se você é o primeiro a sujar? Como ser exemplo se você é o primeiro a falar mal do seu vizinho? Como ser exemplo se você, que faz parte do governo, não acredita no próprio governo? Está desgostoso, inquieto, sem vontade de contribuir, dê o lugar para quem quer. Vá embora. Destranque o ferrolho, pegue o caminho da gruta, mas não cuspa no prato que está comendo. Ou você faz parte da categoria dos animais que usam a lama para tomar banho?
O beija-flor percebeu que havia dado uma resposta grosseira para o leão. Pensando em se desculpar e, ao mesmo tempo, convencê-lo de que estava fazendo a coisa certa, disse:
- Leão, a floresta é o meu lar, o seu lar, o nosso lar. Se ela morrer, eu morreria porque não terei mais flores para sugar-lhe o néctar e você não terá mais onde caçar. Apesar de estar no alto, preciso dela tanto quanto você.
 - É verdade. Você tem razão. Também vou ajudá-lo. – E o leão correu até o rio e pegou água com a boca. O elefante vendo aquilo pegou água com a tromba. Outros animais começaram a pegar água como podiam. Os tatus cavaram buracos até próximo o fogo e parte do leito do rio inundou os buracos e saiu perto do incêndio. No final da tarde, a floresta estava salva. O fogo foi apagado.
Eis o novo paradigma: “fazer a sua parte e convencer o outro a fazer a dele também.”

*Pawlo Cidade é diretor artístico da Comunidade Tia Marita


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