DERAM UMA PEDRA AO MENINO
Pawlo Cidade*
Foto: Ariel Figueroa, registrando a subida de "Vilela"
O poeta grapiúna Firmino Rocha escreveu, há alguns anos atrás, um poema chamado
“Deram um fuzil ao menino.” Este poema se tornou imortal porque retratava o
momento de uma época, de perda da infância, de um genocídio. O mais engraçado -
e irônico - de tudo isso é que ele não falava das favelas, dos morros, onde o
tráfico continua, nos dias de hoje, dando fuzis sem precedentes aos milhares de
meninos que servem de olheiros, aviãozinhos e outras denominações mais.
É bem provável, conhecendo pouco da natureza do poeta, que hoje ele
certamente poderia dizer que, ao invés do fuzil, estão dando “pedras” aos
meninos, aos jovens, às crianças. Quando “Vilela”, alcunha do jovem morador de
rua que caiu do poste na Rua Coronel Paiva, se estatelou no chão, só me veio
uma constatação: ele queria ser livre. Mas não sabia como, não tinha forças,
não conseguia controlar o vício. Quantas vezes, muitos de nós, passamos por ele
dormindo na calçada lateral do Teatro Municipal, “apagado”, pelo uso excessivo
da maldita pedra que aplacava sua fome, seu desejo de viver.
Para muitos, o vôo de “Vilela” foi um alívio. Menos um, flanelinha, menos
um morador de rua, menos um usuário de crack. Menos um. “Vilela” vai ser
esquecido. Outros “Vilelas” tomarão seu lugar e continuarão amedrontando
motoristas e pedestres. Aliás, já tomaram seu lugar. E eles sempre respondem
por apelidos que, a princípio parecem estranhos, mas que caem como nomes de
batismo.
Afirmei, em outra escrita, a partir de uma frase de uma professora, que a
droga será vencida pela violência. E ainda continuo aceitando isso. Porém,
antes mesmo que esta afirmação torne-se uma verdade absoluta – e absurda! –
entre nós, a droga, sobretudo o crack, ainda irá levar muitos “Vilelas” para o
limbo.
“Vilela” não é mais um. “Vilela” é ser humano. Parafraseando Firmino
Rocha, eu diria adeus luares de dezembro, adeus sinos de natal. Nunca mais a
inocência, nunca mais a alegria – que certamente ele não tinha, mas nos chamava
de “doutor.” Nunca mais a corrida no barro vermelho, o caranguejo no mangue, o
abraço da mãe que se foi. Agora é o asfalto frio, a descarga elétrica, agora é
o crack da morte, rufando nos campos negros dos becos, das ruas, sob os pés
violentos ferindo os passantes benditos.
Onde estão as autoridades? A quem interessa a morte de “Vilela”, que
recebeu o apelido do lugar de onde veio? No caderno da polícia, apenas números.
O jovem ficou sozinho, agonizando, esperando a morte chegar. Adeus Praia da
Avenida, adeus Calçadão Marquês de Paranaguá, adeus tudo que é de Deus. Deram
uma pedra ao menino.
* Diretor Artístico na Comunidade Tia Marita, escritor e produtor cultural.
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