quinta-feira, 7 de março de 2019

PONTO DE VISTA




REPENSAR AS POLÍTICAS CULTURAIS
Pawlo Cidade*

É fato que as tecnologias digitais transformaram a cadeia de valor cultural. No entanto, a ascensão das plataformas digitais gerou vários desafios. 95% do valor da economia de aplicativos está concentrada em 10 países. Houve uma explosão de dados privados na rede. A cada 60 segundos, são disparados 347.222 tweets; 527.760 fotos são compartilhadas no Snapchat; 2,78 minutos de vídeos são visualizados no YouTube; 701.389 pessoas conectam-se ao Facebook e 51.000 aplicativos são baixados da Apple. Estes dados estão disponíveis no resumo do Relatório da UNESCO, publicado em 2018.

Diante desta quantidade imensa de dados a gente ainda não sabe como utilizá-los.  Entretanto, alguns grupos já aprenderam a manipular, ou melhor, a usar toda esta informação para seu próprio benefício. Tudo que a gente precisa saber está na rede. Eu disse tudo! É possível saber o que você come, veste, fala, sente, pasmem! Até o que você pensa. Claro que na verdade tudo não passa de uma combinação de números e hábitos que é possível dizer o que você vai fazer nos próximos dez minutos que ficar em frente ao WhatsApp, ao Facebook ou o tweet. A Cultura precisa aprender a usar estas ferramentas tecnológicas, adentrar no mundo das redes sociais e despertar no indivíduo o gosto pelo teatro, pela música, pelas artes visuais, pelo circo. Sei que despertar apenas basta. O desafio maior está em manter estes mesmos indivíduos conectados na arte e na cultura. a área do marketing sabe muito bem disso, afinal, “conquistar é fácil, difícil é manter o que foi conquistado”.

Como podemos fazer isso? Confesso que também gostaria de saber. A Unesco nos delega, e aqui eu me refiro ao Estado, a função de “adotar planos e estratégias digitais para investir na produção cultural local”. Parece uma questão simples, mas não é. É aí que o gestor cultural precisava usar a criatividade para promover o desenvolvimento desta questão. O recurso financeiro não é o problema, nem tampouco a solução. O fomento é um processo que requer habilidade, estudo e perpassa por todos os setores, sobretudo na compreensão de quem não entende nada ou quase nada do fenômeno cultural. Posso passar uma manhã inteira discutindo sobre fomento e explicar a uma Procuradoria, por exemplo, que um artista que é reconhecido por seus pares em sua localidade não precisa ter reconhecimento nacional para propor um contrato por inexigibilidade.

Criar estratégias, requer “apoiar centros, incubadoras e agrupamentos criativos”. São nelas que as ideias e os planos acontecem.  Me dá um bocadinho só de recursos para você ver o que nós somos capazes de fazer. Entretanto, precisamos urgentemente “melhorar a alfabetização digital para garantir o acesso a diversos conteúdos digitais”, preconiza a Unesco.  E isso só acontece se a gente “desenvolver novas parcerias colaborativas”. É juntar SEBRAE, universidades, ongs, prefeituras, pesquisadores, fazedores de arte, investidores, iniciativa privada. Deixa Romualdo Lisboa ter condições para criar o Parque Aldeia das Artes para ver o que ele é capaz de fazer. Deixa Toninho só pensar em música erudita para ver o que acontece. Você já pensou se Manu Pessoa tivesse todo o tempo do mundo para soltar a cor e o pincel em seus traçados multicoloridos e inimagináveis. Eu poderia citar aqui dezenas de artistas para qualificar os exemplos frente aos desafios em que me encontro. Ainda não tenho todas as ferramentas, muito menos os recursos necessários, a execução dos projetos. Mas sei que estou no caminho certo e continuarei apoiando todo e qualquer sistema sustentável de governança para a Cultura.

No entanto, e enquanto isso, vivo a todo instante repensando as políticas culturais, tentando entender as mídias públicas, navegando neste ambiente digital gigante e buscando parcerias com a sociedade civil. É nesta que reside nossa maior redenção. Pena, que muitos ainda não entenderam isso.

*Escritor, gestor cultural e atual Secretário Municipal da Cultura de Ilhéus.

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