sexta-feira, 4 de março de 2011

AI, AI, AI, CORTARAM O MEU CABELO!

Vanusa e Kau saíram do salão por volta das onze horas sem dar uma palavra. Ao notar os olhos lacrimejantes de Kau, Vanusa puxou assunto. Não quis ser direta, embora soubesse o motivo que deixara a amiga assim.
- Será que dá tempo da gente pegar a aula de Matemática?
Kau continuou calada, mordendo o lábio superior. As lágrimas começaram a escorrer.
- Não gosto muito daquele professor. Esse negócio de dizer que em todo lugar existe Matemática é mentira. Onde já se viu?
Kau começou a andar mais depressa. Vanusa tentou acompanhá-la.
- Tem Matemática até no nascimento de uma planta. Você acredita nisso, Kau?
A amiga suspirou e olhou furiosamente para ela.
- Tá, tudo bem. Tenho que admitir que ela “exagerou”. – Declarou Vanusa, referindo-se à cabeleireira. Nem ela mesma se convenceu do que tinha dito.
- Exagerou? – Bradou Kau. Foi a deixa que ela esperava para por tudo que a estava sufocando – Ela me deixou careca, você não está vendo? – E fez um gesto engraçado com as mãos como que estivesse pedindo clemência a Deus.
- Êitaa!! A mulher só tirou as pontas do seu cabelo!
- E é pouco? É pouco, responda? – repetiu, quase mordendo os dedos - Ninguém corta o meu cabelo, Vanusa. Nunca gostei desse negócio de aparar as pontas. Não sei como aquela coisa esquisita me convenceu. Ela vai vender meu cabelo, isso sim. – Deu um grito. Algumas pessoas no ponto de ônibus se assustaram – Ai, que ódio! Se eu pudesse eu voltava lá e botava aquele salão abaixo. Nunca mais vou ali. Nunca mais!
- Tenha calma, Kau. – Vanusa tentou abraçá-la carinhosamente.
- E por acaso eu estou nervosa? Hein, me diga! Eu estou nervosa, Vanusa? – Gesticulava demasiadamente. – Eu estou possessa! Possessa! Você sabe o que é isso? Minha mãe gasta rios de dinheiro com esse cabelo e vem uma aprendiz de cabeleireira e dá o bagaço! Você quer que eu fique como? Calma? Tranquila? Serena?
- A mulher tem experiência. Ela sabe o que fez. – Tentava acalmar a amiga.
- Quem sabe o que faz, não faz o que ela fez! – Berrou. Depois, começou a chorar copiosamente. – Eu quero morrer. Eu quero morrer!
Um casal de idosos se aproximou. Vanusa abraçou a amiga. Não era a primeira vez que Kau fazia tempestade com copo d´água por causa de um pequeno corte de cabelo.  
- Meu cabelo tinha ponta dupla, eu cuidei; meu cabelo parecia uma juba, eu tratei. Uma vez ele ficou parecendo um porco espinho, acabei uma caixa inteirinha de reparador de pontas pra consertar. Agora, que ele consegue crescer um pouquinho, depois de três anos, aquela filha de uma mãe vai e corta!... Eu vou morrer! – Debruçou nos braços de Vanusa.
- O que houve com ela, minha filha? Morreu alguém da família? – Perguntou a senhora ao lado do marido. Vanusa quase explodiu numa gargalhada. Para não piorar a situação, lamentou:
- Cortaram o cabelo da pobrezinha. Ela está arrasada.
- Ô, minha filhinha – a senhora alisou o cabelo dela cheia de ternura – eu sei o que é isso. Tive muitos problemas com cabelo na sua idade. Eu vivia dizendo pra minha mãe que meu cabelo não crescia, que meu cabelo era isso, era aquilo, e no final ele sempre acabava crescendo. Todo cabelo cresce. Alguns mais, outros menos, mas no final, cresce. Você tem que parar de usar elástico e presilha. Isso acelera a quebra do seu cabelo e ele parece não crescer. – A senhora continuou com a mão pousada sobre a cabeça dela - Pelo que eu estou vendo, a cabeleireira fez um ótimo tratamento no seu cabelo. Ela só tirou as pontinhas. Faça isso a cada três meses e você um dia verá ele bater na sua bunda! – A velha sorriu. Vanusa fez o mesmo.
- A senhora é cabeleireira? – Indagou Kau com os olhos cheios d´água.
- Já foi, minha jovem. Ela já foi há muitos anos. – Respondeu o marido com um sorriso desdentado pronto para contar a história de sua esposa.
- Enxugue estas lágrimas e faça o que eu disse. – Aconselhou.
- Ela sempre acerta. – Riu o marido, posicionando a bengala que o apoiava.
O casal de idosos caminhou na direção de uma farmácia.
Kau virou-se para Vanusa com um olhar confiante revendo sua opinião.
- Em junho a gente volta ao salão. Gostei da cabeleireira.
- E eu da velhinha.
As duas saíram rindo.
(Parte integrante do novo romance de Pawlo Cidade, ainda no prelo)

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