sexta-feira, 14 de setembro de 2012

EDITORIAL


ESTAMOS EM UM CAMPO DE GUERRA


As pessoas chegam desesperadas na recepção. É uma atitude normal. Afinal, estamos num ambiente de primeiros socorros, com atendimentos de urgência. E a recepção, do outro lado do balcão, tentando manter a frieza que lhe é costumaz, solicita os dados do acidentado, quiçá, um moribundo. O doente (ou seria a vítima?) geme, se contorce.
- Nome? Mora aonde? Tem ficha aqui? Você trouxe o cartão do SUS?
O acompanhante se desespera, o doente começa a gritar. A dor é infernal. Ele está à beira da morte. Levou um tiro, uma facada, um sôco no estômago. A causa quase sempre é desprezada. Alguém coloca-o na maca, leva para a sala de atendimento. Precisa entrar na sala de cirurgia. Não tem vaga. O corredor está cheio de pacientes à espera. Alguns também gemem. Outros estão seminus. Ante os olhares curiosos dos demais acompanhantes que se amontoam pelo corredor, as enfermeiras apenas testemunham. Uma pega uma toalha, outra entra no banheiro. Chegam mais vítimas, desta vez de um acidente de trânsito. Fraturas expostas, queimaduras. A vítima do tiro entra na fila. Gritos, desespero, dor, lágrimas. Pai, mãe, filhos, avós, irmãos, primos, parentes. Ninguém mais sabe quem é quem.
- Cadê o cartão? Cadê o cartão?
A bolsa cai no chão. Documentos, folhas amassadas, escova, batons, pentes, absorvente, esparadrapo, embalagens de chocolates vazias. Tudo se espalha, menos o cartão do SUS. O bendito cartão do SUS.
- Não tem médico. – Berra  a outra atendente friamente que acabara de chegar.
Na parede, a informação do médico que estaria de plantão. Alguém sussurrou que ele estaria descansando; outro disse que ele estava no café; uma auxiliar de serviços gerais confessou que ele tinha ido em casa atender a uma necessidade familiar. A fila crescia. Cadê o médico? A prefeitura havia anunciado que estava em dia com os convênios, que os hospitais tinham obrigatoriedade no plantão.
A mulher juntou os pertences. Em meio a papelada um contracheque e o desconto do SUS. Maldito SUS. Maldito desconto. Vociferou. Pra quê Plano de Saúde se eu pago a previdência? Cadê o meu dinheiro? Num surto de raiva, arremessou a bolsa na atendente. Exigiu atendimento. Ameaçou entregar todos ao Ministério Público. Pegou duas testemunhas. Elas assinaram. Alguém gritou da ante-sala que o médico havia chegado. O paciente entrava agora na sala de cirurgia.
- Cadê a bandagem? Cadê a bandagem? Não tem bandagem?
A voz estridente vinha da enfermeira chefe na entrada da sala de cirurgia. O doente entrou em convulsão. Teve parada cardíaca. Uma, duas, três vezes. A demora no atendimento acelerou o processo hemorrágico. A bala correu. Ele se foi.
- Cadê a bandagem? Cadê a bandagem? Não tem bandagem?
A pergunta ainda ecoava no corredor. As pessoas se entreolhavam assustadas.
- Meu Deus, qual é a guerra mesmo que está acontecendo?
- Não tem guerra. Não tem guerra.
- Qual o nome mesmo deste lugar? – Perguntou um menino na porta do hospital.
- Regional.
Qualquer semelhança será mera coincidência.

Pedro Doyle
Articulista

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